Segundo essa hipótese, as vacinas perderiam alguma eficácia: provavelmente na hora de reduzir contágios, como já aconteceu com a delta. É mais incerto se isso também ocorreria em relação à proteção contra a forma mais grave da doença e a morte. “O prognóstico sempre será mais favorável para as pessoas vacinadas do que para as não vacinadas, as primeiras têm maiores probabilidades de conseguir se defender”, resume José Antonio Forcada, presidente da Associação Nacional de Enfermagem e Vacinas da Espanha.
A diretora executiva da EMA, Emer Cooke, reiterou essa posição no Parlamento Europeu, garantindo que mesmo que a nova variante se espalhe, as vacinas disponíveis continuarão protegendo, informou a Europa Press. “Ainda não sabemos se precisaremos adaptá-las, mas de qualquer forma temos planos de contingência preparados. Trabalhamos com as autoridades reguladoras porque esperamos o melhor, mas estamos preparados para o pior”, afirmou.
Amós García Rojas, presidente da Sociedade Espanhola de Vacinação (SEV), traça dois cenários: “Pode ser que as vacinas que temos sejam totalmente potentes contra esta nova cepa ou que, em função dessas mutações, percam um pouco de eficácia, embora não deixem de nos proteger, que é o que acho mais provável. Por isso, devemos ficar ocupados, não alarmados”.
Enquanto se busca esclarecer tudo isso, as farmacêuticas já estão trabalhando em novas versões. É algo previsto inclusive nos contratos que a União Europeia tem com essas empresas. Assim como ocorre com a vacina contra a gripe, elas terão de adaptar seus imunizantes às novas características do vírus, se isso for necessário. Uma porta-voz da Pfizer disse ao EL PAÍS que a empresa permanece atenta para qualquer variante emergente com potencial para escapar da proteção de sua vacina. “Estamos começando a fazer testes de neutralização com a ômicron e esperamos ter dados iniciais nas próximas semanas. Esperamos poder desenvolver e produzir uma vacina sob medida contra essa variante em aproximadamente 100 dias, desde que seja obtida a aprovação das autoridades reguladoras”, assinalou.
O diretor executivo da empresa Moderna, Stéphane Bancel, afirmou em uma entrevista ao Financial Times desta terça-feira que as vacinas atuais provavelmente serão “muito menos eficazes” contra a variante ômicron. Na opinião dos especialistas consultados, essa é uma declaração muito arriscada. “São declarações econômicas. Ainda não se sabe se haverá perda de eficácia e quanta, se houver”, afirma Vicente Larraga, pesquisador do Conselho Superior de Pesquisas Científicas da Espanha, que trabalha em uma vacina contra a covid-19.
Antonio Gutiérrez, doutor em Farmácia e epidemiologista do Hospital Universitário de Valme, em Sevilha, considera difícil discernir quais declarações atendem a um critério “assepticamente científico” e quais “estão envernizadas com outros esmaltes”. “Hoje, quem disser qualquer coisa sobre a ômicron estará especulando. Não sei o que vai acontecer. Ter muitas mutações não significa inequivocamente que essa seja uma variante mais perigosa. Considero extraordinário que estejamos preparados para reformular as vacinas. Não sabemos a sorte que temos com isso. Mas dizer hoje que isso será necessário, aí é muito”, afirma Gutiérrez.
Caso seja preciso reformular a vacina, o processo é semelhante ao da gripe, como explica Jaime Jesús Pérez, da SEV. “Bastaria apresentar bons dados de imunogenicidade”, diz ele. Isso significa que não seria necessário realizar longos ensaios clínicos com grupos de pessoas vacinadas e não vacinadas. Ao ter uma base já provada de segurança e eficácia, só bastaria comprovar que as novas fórmulas produzem forte reação imunológica nas pessoas. É por isso que o processo total pode durar apenas três meses, em comparação com os 10 que foram necessários para ter os primeiros imunizantes.
Embora esse seja um cenário para o qual é bom se preparar, ele ainda está longe de ser uma realidade. Como apontou a diretora executiva da EMA, primeiro é preciso estudar a situação epidemiológica na Europa, o nível de circulação da variante e fatores da população europeia, como idade e alcance da vacinação, na expansão da variante. Todos esses fatores diferem muito da situação na África do Sul, onde a ômicron foi detectada pela primeira, ressaltou Cooke, reiterando que a agência já trabalha nessa direção em coordenação com outras instituições europeias, com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e com empresas farmacêuticas. “É uma coisa para a qual estamos preparados”, resumiu perante os eurodeputados.
García Rojas acredita que esta variante deve servir para termos consciência de que é preciso impulsionar a vacinação nos países em desenvolvimento: “O fato de eles terem apenas 20% das doses, enquanto os Estados ricos têm 80%, não só mostra uma total falta de solidariedade, como também é um problema epidemiológico, como estamos vendo, porque o vírus se espalha mais e tem maior capacidade de mutação”. Ele insiste que, neste momento, o que população pode fazer é manter as medidas de proteção: máscara, ventilação e distância.