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07/01/2022 às 09h06min - Atualizada em 07/01/2022 às 09h06min

O BALLET JEANE ROCHA, DRAG PATY MAYONESE E O BLACK FACE

PRÁTICAS RACISTAS NA CULTURA ALAGOANA

Por Redação
Rede alagoana de notícia
Imagens tiradas do perfil do Instagran de Jeane Rocha e Paty Mayones

Dor. Decepção. Cansaço. Cara em desalinho, mostrando a expressão de uma máscara petrificada e patetizada de um desgosto atroz diante de mais um caso de racismo e vindo de quem faz parte de minha história nas artes. Escrevo assim, com muito ponto, vírgulas, atravancando a leitura, trazendo uma imagem trôpega de como quem anda batendo a cara em cheio nos muros do racismo, para demonstrar o quanto que isso nos afeta tão profundamente, o quanto que isso dilacera a alma. E tanto já foi dito! Tanto já foi escrito, revisado, debatido e renitentemente insistimos em lutar contra essa infame ferida mortal no seio da sociedade atual, mas parece que não saímos do lugar. O racismo nos dar essa sensação de estarmos nos afogando, com nossas mãos se debatendo e pedindo socorro, enquanto mãos brancas empurram nossas cabeças para baixo da linha das águas. O racismo nos afoga, nos mata, bastando apenas ao racista um pedido de desculpas e ele seguirá sua vida incólume, desfrutando dos privilégios de sua branquitude em cima de nossas dores e morte.

 

Que Alagoas é extremamente racista, sabemos! Que Alagoas é um dos Estados brasileiros mais perigosos para o jovem negro sobreviver, diga-se morrer, sabemos! Que Alagoas é um dos Estados mais desiguais socialmente, pesando para a negritude a vulnerabilidade social, sabemos. Que os índices altíssimos de analfabetismo entre negros existe, sabemos também! Que as forças de segurança em Alagoas, numa falsa guerra às drogas, perseguem pessoas negras, provocando um encarceramento injusto de negros em massa, sabemos! Mas isso urge mudar e não nos calaremos.

 

Contextualizando essa introdução dramática, o motivo dessa minha escrita é que no “boom” da retomada cultural em Alagoas, no aliviar da Pandemia COVID-19, a Academia de Dança Jeane Rocha, juntamente com uma conhecida Drag Queen de nome Paty Maionese, sob curadoria da DITEAL - Diretoria de Teatros de Alagoas, protagonizaram mais um infeliz episódio no âmbito do racismo estrutural que permeia toda a sociedade brasileira, com a prática mundialmente banida do teatro chamada “Black Face”.  O espetáculo “Nega da Praça”, sob coordenação de Paty Mayonese foi exibido no Teatro Deodoro no dia 08/12/2021 e o espetáculo “Celebrar” da Academia de ballet ocorreu no Teatro Gustavo Leite nos dias 10,11 e 12/12/2021, onde apresenta o personagem “Nega Maluca” de nome Catirina. Através de observadores preocupados e conscientes com estas questões de racismo, o INEG/AL levou o caso para a sexagésima primeira Promotoria de Justiça da Capital alagoana, onde o Promotor Antônio Jorge Sodré notificou a DITEAL, a Academia Jeane Rocha e a Drag Paty Mayonese sobre o ocorrido.

O que será que essa gente “celebra”? Porque essa gente celebra em cima da ridicularização da cor de uma etnia? Celebram que negros têm o dobro de chances de serem assassinados? Celebram que somos 78% da população assassinada por arma de fogo? Celebram que a maioria dos mortos pela Pademia do Covid são de pessoas negras? Qual o contexto de celebrar? Celebrar a vida é até louvável, mas precisa ter uma “Negra Maluca” ridicularizando um povo?

 

Para informar os caros leitores desse texto, o black face foi uma prática racista surgida no teatro dos EUA como uma forma de representação caricaturizada e jocosa da pessoa negra. Naquele contexto e época, as pessoas negras eram proibidas de subir aos palcos sob a pena de descerem arrastadas e mortas queimadas, degoladas ou enforcadas numa árvore qualquer, como de fato a história o documenta. Inclusive existem relatos em livros de História da Dança do fato de cias. de dança com pessoas negras que tiveram que as esconder ou fugir ás pressas para que seus membros “de cor” não tivessem esse fim. Os Ballet Russes, importante cia. que difundiu o Ballet nas Américas passou por isso. Com essa proibição, os brancos racistas tiveram a infeliz ideia de representar a negritude pintando a cara de preto, com lábios simulando macacos e os trejeitos como destes símios. Não servíamos para os palcos, mas nossas imagens, de forma jocosa, para riso da plateia, servia muito bem para ser ridicularizada. E foi o que fez a Academia de Dança Jeane Rocha e a Drag Queen Paty Maionese. Passado um século de conhecimentos escritos e debatidos, banimento da prática, em pleno século 2021, uma escola que forma corpos e, consequentemente, forma mentes e platéias, reproduz uma prática há muito combatida, que é consenso ser nociva! 

 

Na Terra de Zumbi! Dias após o mês da Consciência Negra! E ainda tem um dado a mais: a Academia de Dança leva o nome de uma das sócias proprietárias, mas a outra sócia, Isabelle Pitta Rocha é professora da Universidade Federal de Alagoas, do Curso de Dança desta instituição. Uma pesquisadora, ensinadora! Enquanto professora e pesquisadora, ela sabe que dança é uma das artes da cena, dança é uma forma especializada de teatro. Enquanto pesquisadora, Isabelle Rocha entende e estuda sobre história do Teatro e da Dança, sabendo que muitos corpos dançantes negros foram perseguidos e assassinados apenas por dançarem nos EUA. E não precisa ir muito longe. Alagoas ainda vive sob as penas nefastas do Quebra de Xangô de 1912, o qual foi um episódio criminoso, um genocídio humano e cultural contra o povo negro, por causa de sua dança e religião. Isabelle Pitta Rocha, irmã e sócia proprietária da Academia de Dança Jeane Rocha não é inocente. Nem Paty Maionese é inocente. Nem a própria DITEAL é inocente porque, enquanto instituição mantida pelos impostos de todos os alagoanos, deveria zelar pelo bom senso e pelo bem-estar social que uma arte engajada e consciente provoca nas pessoas. 

 

Para fazer essa matéria, a qual escrevo com bastante dor e pesar, pois Jeane Rocha foi a primeira professora a me ensinar o “plié” no Ballet Eliana Cavalcanti, entrei em contato com o advogado dela, entrei em contato com a Diteal e com Paty Maionese através de seus canais no Instagram, mas apenas recebi resposta do advogado Dr. Pedro Acioly que se pronunciou em nome de sua cliente Jeane Rocha de forma propositiva. Quanto à Paty Maionese, houveram resistências a mudar de postura cênica, onde a mesma alega em suas palavras “A partir de Hj quero proibir também que homem se vista de mulher no carnaval”. “É que há história de luta também no transformismo”, relata a artista Paty Mayonese. Isso reconhece-se, mas as lutas e dores de um grupo não dar direito de oprimir outro.

 

Houve por parte do representante advogado de Jeane Rocha um pedido de desculpas e quero dizer, a título até de solidariedade, que essa foi uma atitude assertiva, mas não é o todo. Esse pedido de desculpas tem que vir munido de retratação prática no âmbito social. Tanto Isabelle, quanto Jeane, devem estudar sobre história negra, tornar seus espetáculos acessíveis ao povo, trazer espetáculos reflexivos, promover na universidade grupo de trabalho e estudos acerca dos corpos negros na dança e no Teatro, integrar a universidade com o corpo negro que existe na Terra de Zumbi, formar pessoas conscientes de que a dança está a serviço do bem-estar social e não do ego dos bailarinos que se acham deuses - como tem me informado uma fonte que um dos membros desta escola, coreógrafo de quadrilha se acha “acima dos outros”, numa jactância destrutiva, sendo este o tipo que sai de suas barras Jeane Rocha(?). Quanto á Paty Maionese, aconselho que pare com os black faces em seus espetáculos, se pronuncie, se retrate, reflita e estude teatro porque a performance de Drag Queen é uma linda especialidade de Teatro praticada por uma minoria social, também perseguida, que não deveria ser manchada pelo racismo. Quanto à DITEAL, na pessoa de Alexandre Holanda, homem branco, do meu conhecimento e meio artístico, que sempre teve para com este negro aqui um trato de igual para igual, acho que faltou-lhe assessorias competentes para lhe informar o que se passa num órgão sob sua responsabilidade. Cabe um trabalho de palestras, cursos, curadoria, exposições, todas de temática negra, com o intuito a desenvolver uma ideia de respeito à diversidade de corpos, cores e consciência com a inclusão de artistas e produtores negros de Alagoas. Consciência humana? Todos temos em abundância e durante toda a vida, do nascimento à morte. Consciência Humana até Hitler teve ao matar milhões de judeus! Consciência Humana até o Rei Leopoldo da Bélgica também teve ao matar 4 vezes mais, superando em milhões o genocídio de negros em África! O que precisamos é mesmo de um mínimo de Consciência Negra! O ano inteiro! Ah! Esta está faltando e muito!

Para encerrar, lembro de uma entrevista dada pela Mestra Eliana Cavalcanti a uma repórter que lhe perguntou quem seria aquela que continuaria o seu legado. Espero que o racismo não seja o legado a manchar a brilhante história de Eliana Cavalcanti, pois existem bailarinas e academias melhores no âmbito da formação humana. Mas isso é matéria para um próximo artigo. 
 
Fonte: O fato


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