30/06/2022 às 20h51min - Atualizada em 30/06/2022 às 20h51min

Governo Bolsonaro autoriza igreja evangélica para serviço de engenharia, mas recua

Rodrigo Gomes
Rede Alagoana
© Fornecido por Folha de S.Paulo - O presidente Jair Bolsonaro (PL) durante cerimônia de posse do novo procurador-geral da República (PGR), Augusto Aras, na sede da PGR, em Brasília. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Em uma atitude inédita, o Incra (órgão federal responsável pelas políticas de reforma agrária) credenciou uma igreja evangélica a prestar serviços de engenharia. Após questionamento da Folha de S.Paulo, porém, recuou e acabou cancelando a autorização.

A igreja foi habilitada na semana passada pela superintendência da Bahia. Foi a primeira vez em que uma autorização desse tipo foi dada no país.

 

A igreja beneficiada foi a Assembleia de Deus Rais de Jessé, com endereço em Simões Filho, região metropolitana de Salvador (BA). O representante da entidade é Nelson Carmo da Silva, que também é dono de uma empresa do ramo de construção na mesma cidade.

Procurado, Carmo da Silva não respondeu às tentativas de contato da reportagem. O Incra disse que as previsões legais foram cumpridas, mas não esclareceu o motivo de ter anulado a decisão.

O credenciamento foi assinado por Paulo Emmanuel Macedo de Almeida Alves, que é superintendente regional do Incra na Bahia desde setembro de 2020. Ele é servidor do órgão e atua na superintendência do estado desde 2017.

O Ministério Público junto ao TCU (Tribunal de Contas da União) pediu que o órgão de controle apure se houve favorecimento à igreja evangélica, reforçando que esse segmento representa uma das principais bases de apoio do presidente Jair Bolsonaro (PL), pré-candidato à reeleição.

"Para que um interessado possa ser credenciado pela administração, ele deve satisfazer às condições fixadas e estar habilitado à execução dos serviços pretendidos", argumentou o subprocurador-geral, Lucas Rocha Furtado.

Em seu texto, ele escreveu que "é triste constatar, mais uma vez, o flagrante favorecimento à base evangélica do governo Bolsonaro, em prejuízo aos aspectos técnicos que devem conduzir as decisões da administração [pública]".

A última pesquisa do Datafolha mostrou que, diferentemente do cenário geral, Bolsonaro lidera a corrida eleitoral entre os evangélicos.

Entre os católicos, 42% dizem que votarão em Lula (PT), enquanto 20% escolhem Bolsonaro. O presidente, por outro lado, tem a preferência de 36% dos evangélicos, contra 28% de Lula.

Uma das linhas de atuação do Incra permite que os assentados da reforma agrária recebam crédito habitacional para construção ou reforma de moradias.

Para isso, o beneficiário tem que ser atendido por um técnico autorizado e credenciado pelo Incra. O objetivo é a elaboração de projeto e responsabilização técnica pela execução e fiscalização da obra.

Esse técnico pode ser servidor do Incra, mas também pode fazer parte da equipe de uma entidade autorizada a fazer acordo de cooperação com o órgão.

No caso, foi esse tipo de credenciamento dado à Igreja Evangélica Assembleia de Deus Rais de Jessé.

No início da semana passada, o Incra disse que o aval foi dado de acordo com todas as regras previstas em decreto, instrução normativa e edital. "A entidade [igreja evangélica] foi credenciada por apresentar a documentação necessária", informou o órgão.

O credenciamento foi dado para que a igreja firmasse acordos de cooperação técnica para disponibilizar equipe habilitada na elaboração de projeto completo de engenharia, acompanhamento e fiscalização das obras das unidades habitacionais.

Para conseguir a autorização, há a exigência de comprovação de que a entidade possua um profissional disponível para prestar os serviços de modo permanente. Além disso, é necessário a comprovação de que a entidade ou o profissional técnico tenha elaborado projetos de engenharia nos últimos cinco anos.

Ao ser questionado sobre os documentos apresentados pela igreja para cumprir esses requisitos, o Incra informou que decidiu anular o credenciamento da entidade religiosa. Desde quarta-feira (22), o órgão se recusa a esclarecer o motivo do recuo.

Na sexta, em nova resposta, o Incra disse que no momento do credenciamento, "a entidade apresentou contrato de prestação de serviço com profissional habilitado, com as certidões de registro e de acervo técnico emitidas pelo conselho profissional" e que o órgão "optou por reavaliar o credenciamento e tornar sem efeito o mesmo."

Novamente, não houve resposta sobre o que exatamente motivou o cancelamento da autorização.

O Incra diz que entidades credenciadas não recebem transferência de recursos nem podem cobrar pelos serviços a serem prestados pelo técnico habilitado e credenciado.

Na lista de entidades credenciadas, é comum encontrar fundações, associações comunitárias, cooperativas habitacionais e outras entidades privadas sem fins lucrativos.


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