Proteger crianças e adolescentes é um dever da família, da sociedade e do poder público, como está expresso na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Mas, a cada hora, três crianças ou adolescentes são abusados no Brasil e, 80% dos casos, acontecem dentro de casa, segundo dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, divulgados e 2020.
Essa situação trágica foi vivida por M.C.S., uma menina de apenas 12 anos, abandonada pela mãe e com paralisia cerebral. A criança morava com a avó, no município de Porto de Pedras, Litoral Norte de Alagoas, e foi a tia avó, que mora em Maceió, que durante uma visita à criança, percebeu algo estranho na região genital da menina, na hora de trocar a fralda.
“Vimos que tinha alguma coisa errada, avisamos para a minha irmã, avó de M.C.S., para ela levar a menina no médico para uma consulta. Minha irmã disse que a levou até uma Unidade Básica de Saúde (UBS) de Porto de Pedras, e falou que não tinha nada de errado com a criança”, recorda a tia avó.
Entretanto, depois de um tempo, ela disse ter voltado para visitar a sobrinha neta e percebeu que o quadro continuava o mesmo. “Na mesma hora a levamos para a UBS e o médico suspeitou que a criança estivesse com HPV. Por se tratar de uma criança, suspostamente violentada sexualmente, ele acionou o Conselho Tutelar”, contou a tia avó.
Área Lilás – Os conselheiros tutelares levaram M.C.S. até a Área Lilás do Hospital da Mulher (HM), situado no bairro Poço, em Maceió, que é principal porta de entrada da Rede de Atenção às Vítimas de Violência Sexual (RAVVS), em Alagoas. Ao chegar à unidade, a criança foi acolhida pela equipe multidisciplinar, sendo atendida por médicos, psicólogos, assistentes sociais e enfermeiras.
A tia avó conta que a menina chegou em Maceió em uma situação crítica, muito magra e com os músculos enrijecidos. Ela ainda fala que o primeiro contato de M.C.S. foi com uma pediatra, uma ginecologista e uma psiquiatra. Após diversos exames feitos na unidade, veio a confirmação da infecção pelo HPV, e de que a criança também havia sido estuprada.
“Suspeitamos que tenha sido o esposo da avó dela que fez isso, porque ele ficava durante dias sozinho com a menina, dava banho, trocava fralda, e dormiam na mesma cama, era ele para tudo. Mas agora M.C.S. está sendo muito bem cuidada pela bisavó, e por todos da minha família”, relatou a tia avó.
Ela conta que a sobrinha neta já está há nove meses em tratamento na RAVVS e tem sido excelente para o desenvolvimento dela. “Hoje ela é outra criança, não tem mais um olhar triste que carregava e, fisicamente, evoluiu muito, de um jeito que a gente não imaginava. Antes ela não falava nada e agora já consegue se comunicar dentro das limitações que a paralisia cerebral permite”, contou a tia avó.
M.C.S. continua com os atendimentos e acompanhamento psicológico da equipe da RAVVS, que pela dificuldade de locomoção da paciente, disponibiliza um carro para buscar e levar a menina para as consultas. Além do apoio clínico, a RAVVS também está dando suporte jurídico para a tia avó, que busca na justiça ter a guarda da menina.
A RAVVS – O trabalho desenvolvido pela RAVVS é feito por médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, médico perito e agente da Polícia Civil. A equipe multidisciplinar também conta com o apoio de uma rede intersetorial composta por órgãos da segurança pública, da Justiça, conselhos tutelares, Secretaria de Estado da Prevenção à Violência (Seprev), da Educação (Seduc), da Assistência Social (Seads), da Mulher e dos Direitos Humanos (Semudh).
Para Camille Wanderley, psicóloga e coordenadora da RAVVS, a campanha Maio Laranja vem alertar toda a população sobre os impactos que a violência sexual desencadeia no público infanto-juvenil. “O mês de maio e esta terça-feira [18], Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, é o momento importante para convocar toda a sociedade a participar do combate e enfrentamento à exploração e violência sexual. Também é uma oportunidade para discutirmos as sequelas, uma vez que esse tipo de violência causa grandes impactos no desenvolvimento da criança, refletindo-se na vida adulta”, salienta a psicóloga.
Os serviços da RAVVS funcionam desde 2018 e, além da Área Lilás do HM, as vítimas podem procurar atendimento na pediatria do Hospital Geral do Estado (HGE), em Maceió; no Hospital Ib Gatto Falcão, em Rio Largo; e no Hospital de Emergência do Agreste (HEA), em Arapiraca.
Dados assustadores - Crianças e adolescentes entre 0 e 17 anos estão entre as principais vítimas da violência sexual atendidas pela RAVVS. Somente em 2021, nos quatro primeiros meses do ano, a equipe da Área Lilás do Hospital da Mulher antedeu 250 pacientes e, desse total, 172 foi do público infanto-juvenil, o que representa 68,8% do atendimento anual.
“Desde outubro de 2018 estamos desenvolvendo uma política pública voltada para uma assistência qualificada, humanizada, acolhendo as vítimas com sigilo, conforto e dando o apoio necessário para todos os pacientes”, destacou Camille Wanderley.
Quando as vítimas de violência sexual procuram a RAVVS, elas passam por exames como o beta HCG, para a o diagnóstico de gravidez, um hemograma completo e testes rápidos para HIV, sífilis e hepatites. Os pacientes também tomam medicamentos profiláticos, como o antirretroviral para uma possível infecção pelo HIV e fazem uso da pílula do dia seguinte.
Denunciando casos de violência sexual – A população pode denunciar os casos de exploração e violência sexual indo na Área Lilás do Hospital da Mulher, por meio dos números (82) 3315-1393, (82) 98882-9765, pelo 180 ou pelo Disque 100, que funcionam durante 24 horas por dia.
A coordenadora da RAVVS reforça que a população não precisa ter medo em denunciar e que as denúncias também podem ser feitas por meio do aplicativo Fica Bem, desenvolvido em 2020 pela Sesau, em parceria com o Centro Universitário Cesmac, e que está disponível na PlayStore para aparelhos celulares com o sistema operacional Android.
“Ninguém precisa ficar temeroso em fazer uma denúncia, pois todo o processo acontece em sigilo, preservando a identidade de quem está denunciando. O aplicativo surgiu pela diminuição das denúncias de violência sexual durante o período mais crítico da pandemia”, disse.